Se da última vez eu trouxe um FPS online, hoje eu trago um single player único. Tive o privilégio experimentar Lost in Random, da Electronic Arts. A aparência do jogo já é suficiente para despertar nosso interesse: logo de cara vemos uma estética que lembra animações feitas em stopmotion, como um trabalho manual e mais artístico, com um ar Tim Burton. De fato essa era uma das propostas do elaborado game: a referência visual foi um grande ponto de partida para criação desse universo baseado no trabalho de artistas plásticos, pintura digital e trabalho com argila.
Antes de tudo, eu adoro contar a história do game. Para mim, uma boa narrativa é sempre um ponto alto – especialmente nesta obra, que preza muito pelo lado artístico da composição. Sempre tento poupar vocês dos spoilers, mas dessa vez quero ir um pouquinho além. Mas nada que comprometa sua experiência, claro. Enfim, inicie Lost in Random com uma pergunta: como seria um mundo em que tudo fosse resolvido no dado?
Lost in Random: a aleatoriedade reina
Podemos traduzir Lost in Random como “perdida no aleatório “. Entretanto, Random é o território em que acontece a narrativa, governado por uma Rainha tirana, dona de um dado mágico e um punho de ferro. A principal de suas regras é que tudo em seu território deve ser definido pelo rolar de seus dado mágico – que talvez não seja tão aleatório. Seu slogan, que deve ser repetido por toda a população, é “Random rules” (a aleatoriedade governa).
Uma das principais características do governo da Rainha é a divisão do reino em em seis regiões, com pouco ou nenhum trânsito entre si – assim como os distritos de Jogos Vorazes. Toda criança, ao completar 12 anos, recebe a “dádiva” de rolar o dado mágico da Rainha, definindo a sua moradia definitiva. Cada número do dado corresponde a uma região diferente e o seis é o mais desejado – afinal, significa Sixtopia, o distrito em que habita a Rainha e uma suposta vida luxuosa. Os outros reinos são:
- Onecroft – A população é apática no aterro sanitário de Random. Ganham a vida recolhendo o lixo dos outros reinos;
- Two Town – Na cidade do número 2 tudo tem dois caminhos ou dois lados. O mais peculiar é que todo cidadão tem duas personalidades. Adivinha o que é que define qual personalidade reinará no dia? Sim, o dado da rainha;
- Threedom – Onde reina uma guerra civil entre três irmãos, herdeiros do falecido Rei. Vivem em uma eterna guerra, incentivada pela rainha;
- Fourburg – Uma terra de ninguém, dizimada após a grande Guerra dos Dados (sem spoilers). É dominada por apostadores;
- Fivetropolis – Antes uma grande produtora de cartas, agora a cidade é indústria para os robôs da Rainha
Random Rules
Nós acompanhamos a história de duas irmãs inseparáveis, Odd (ímpar) e Even (par), moradoras de Onecroft. Todo o problema começa quando Odd completa 12 anos e é obrigada a rolar o dado da Rainha – e irá para Sixtopia. Um ano após o evento de sua separação, Even passa a sonhar com sua irmã. Sonhos que ela nunca antes teve, que pareciam visões. Por fim, talvez Odd não está tão bem quanto se imagina. Além das visões, Even recebe a visita de um ser peculiar, que a faz fugir de casa em uma grande aventura atrás de sua irmã. É claro, essa aventura significa atravessar todos os distritos até Sixtopia e descobrir o que de fato está acontecendo.
Porém, ela não fará esse caminho sozinha. Em um trajeto acidental, Even encontra Dicey, um dado mágico que guarda grandes e antigos poderes – há muito suprimido pela Rainha. O resto eu vou deixar para você descobrir em seu próprio caminho.
Mas e a gameplay?
Lost in Random é um tanto difícil de definir. Em terceira pessoa, o jogo é um misto de aventura, puzzle e RPG. Enquanto saímos em busca de Odd, na maior parte do tempo possuímos apenas um estilingue. É com ele que acontece grande parte da interação com o ambiente, destruindo totem para ganhar moedas, ativando parte dos puzzles e iniciando combates. Primeiramente, os combates só começam após encontrarmos Dicey – afinal, é apenas através de seu poder mágico que Even ganha forças para enfrentar as tropas da Rainha.
Devemos interagir com os personagens, explorar, olhar os cantos e podemos voltar pelo mesmo caminho. Mas os combates são únicos e o jogador precisa se virar com apenas um estilingue, sem causar dano, no começo das batalhas – que só se desenrolam através de cartas absorvidas pelo dado mágico. Dicey dita a dinâmica dos confrontos através dessas cartas encontradas no nosso caminho, seja no percurso natural do game ou comprando mais cartas com os Mannie Dex, uma loja viva. Cada carta tem o seu efeito, podendo fornecer armas, cura, proteção e vantagens para Even. Com o acúmulo de cartas é preciso definir apenas 15 para ser o deck de Even.
Batalhando com cartas e palavras
Para usar as cartas, devemos coletar fragmentos que fornecem energia ao Dicey – assim ele pode agir. Esses fragmentos são cristais que aparecem nos corpos dos inimigos e podem ser destruídos com o estilingue. Portanto, o começo das batalhas sempre pede muita movimentação e atenção do player. Com o acúmulo dos cristais, novas cartas são retiradas do deck e assim podemos lançar o dado mágico. Ao lançar Dicey, o número tirado define a quantidade de pontos que podemos gastar em cartas – e cada carta tem uma pontuação única. Só temos um pequeno problema a superar: Dicey, a princípio, só consegue contar até dois.
Além dos encontros aleatórios, há também um outro estilo de luta: as Arenas-Vivas. A dinâmica é mais complexa, como um jogo de tabuleiro. Ao longo da sua aventura, Even conhece vários personagens e aos poucos descobre a verdadeira história de Random. É preciso vencer as lutas e puzzles, mas também sabe lidar com os diálogos. Há também a possibilidade de completar missões secundárias. Não são obrigatórias, mas podem ser facilmente resolvidas ao longo da missão principal e garantir alguns bônus extras como moedas ou cartas novas.
Lost in Random, Confie no aleatório
Com toda a experiência do jogo, fica apenas uma ressalva: traduções poderiam mexer com algumas palavras e significados. Além de captar os detalhes do jogo e descobrir mais sobre o enredo, não saber inglês pode ser um obstáculo em algumas missões. Por exemplo, há um oponente que devemos derrotar com rimas. Ou quando pensamos nas irmãs Even (par) e Odd (ímpar), podemos imaginar diferentes interpretações: Even, por ser par, não consegue lidar bem sem a companhia de sua outra metade; Odd pode significar que ela não se encaixa em Sixtopia por ser ímpar – ou mesmo podemos ir além e ver na palavra um indício de que há algo muito estranho com o seu rolar de dados. Afinal, “odd” também significa “estranho”.
Por fim, acredito que de qualquer forma vale a experiência, mesmo que não seja no idioma original. Lost in Random é agradável aos olhos, aos ouvidos e com uma dinâmica desafiadora para a mente, única. É tão artístico que, muitas vezes, até mesmo parece um poema. Não hesite, jogue os dados, salve Odd e random rules.