Eu acredito piamente no poder transformativo da mídia, tanto para seus autores como para seu público. O ato de criar mexe com a sensibilidade, traduz vivências e sensações em um produto o qual, por sua vez, vai tocar na subjetividade daquele que contempla. É aí que a arte nasce, da vontade de contar histórias, transmitir experiências as quais, apesar de pessoais, ainda possam reverberar entre outras pessoas.
É por essa razão que existem obras atemporais, revisitadas geração após geração, ainda que o seu lançamento tenha ocorrido há muitos e muitos anos. Poesia, por exemplo, por causa do lirismo puro dos sentimentos explorados na palavra transcende o tempo, o espaço, e até o idioma. Meus favoritos Castro Alves (Oh! Bendito o que semeia/Livros à mão cheia/E manda o povo pensar!) assim como Cecília Meireles (Eu não dei por esta mudança,/Tão simples, tão certa, tão fácil:/- Em que espelho ficou perdida/A minha face?) mantêm-se atuais pela genuína natureza humana explorada em seus trabalhos. É a beleza imortal de seus escritos.
Nesse último final de semana, fui de encontro a uma nova obra poética. Meu editor (beijos, chefia!) sugeriu-me a leitura do recém-lançado (2020) Linhas Indigestas: Coisas Fortes e Diretas do fluminense Fábio da Silva Barbosa. Autor de longa trajetória no mercado da publicação independente de Zines (em destaque Reboco Caído), o livro foi publicado no selo Lumos da Brazil Publishing e compila 71 poemas.
Logo no primeiro instante, eu senti influência forte do simbolismo (ainda que não a forma) do paraibano Augusto dos Anjos, o “filho do carbono”. Os versos, a pingar uma vulgar decrepitude, transmitiam uma crua indignação com o atual cenário, fosse político ou fosse pessoal. Assim como Anjos, Barbosa transmite uma exaustão diante da banal crueldade presente no cotidiano – demonstrando um desejo de mudança, porém com uma apatia paralisadora.
“não quero mais ser
mais um bom exemplo
de toda essa derrota compulsiva” – Jardins secos (p. 54)
Essa temática caótica de revolta é martelada com violência a todo instante, indicando uma fixação na vontade de chocar com seu escárnio. Há uma energia agressiva espalhada entre as estrofes carregadas de culpa pela inércia cansativa do existir do eu-lírico, essa embalada no ritmo da tragédia contemporânea e corriqueira. Obstinado, o autor repete a cada página, como se quisesse esgotar essa angústia.
Eu particularmente entendo essa vontade, sério. Há uns dez anos eu escrevo, ainda que nada publique, e eu compreendo o ato de criar – em especial, poemas – como uma catarse, isto é, a tradução de emoções não processadas em mensagens multifacetadas. Se eu tenho uma ideia, eu preciso abordá-la em exaustão, de forma que a sensação não fique presa em meu peito, sufocando-me em minha ansiedade. Assim sendo, eu imagino que seja uma anárquica indignação quem mova a sua produção.
Dito isso, ainda que eu escreva poemas, Linhas Indigestas provou ser um desafio um tanto fora da minha área de conforto. Animação, meu tópico usual dessa coluna, é a mídia que eu mais estudo e aprecio no cotidiano, tornando incomum a minha reflexão sobre a natureza da literatura trabalhada ao longo deste texto. Não acredito que seja para mim essa obra, infelizmente. Não me identifiquei muito bem com as emoções exploradas em suas, como o título descreve, “linhas grosseiras” – embora as situações descritas possuam semelhanças com as minhas vivências particulares.
Apoio com todo o coração as obras nacionais. Fico feliz que em meio a pandemia essa obra foi finalizada e pôde chegar em minhas mãos, apesar de eu não apreciar conforme seu autor planejou. Como diria Pablo Neruda, “a poesia tem comunicação secreta com os sofrimentos dos homens. Há de ouvir os poetas. É uma lição de história.” Vamos nos atentar, portanto, aos nossos menestréis, ainda que não consigamos amá-los.