A trajetória da animação como forma de Arte no mundo provou continuamente que acompanhava as novas tecnologias: no papel, recortes, stop motion, com computador… Diferente de outras mídias, que podem ser produzidas até artesanalmente, o desenho animado exige técnica e equipamento mínimo para a sua produção – o que encarece seu desenvolvimento e limita o domínio do mercado a umas poucas empresas, em especial a Disney.
No Brasil, devido aos escassos recursos que são voltados à área do audiovisual, essa arte surgiu aos trancos e barrancos, sustentada apenas pela força de vontade dos animadores. O primeiro projeto lançado na nossa História foi o curta Kaiser em 1917, mesmo ano do primeiro longa-metragem argentino El Apostol, e foi há muito tempo perdido. Foi um processo de lutas para conseguirmos alcançar onde estamos: desenhos brasileiros exibidos em canais fechados, premiação internacional com um longa-metragem, a Associação Brasileira de Cinema de Animação como forma de representatividade para o setor, etc. Uma enorme e complicada jornada que culminou no, com perdão do neologismo, brasileiríssimo Irmão do Jorel.
A série animada assinada pelo Juliano Enrico (da equipe criativa do TV Quase, o qual produziu O Último Programa do Mundo, Choque de Cultura, Falha de Cobertura, entre outros títulos) foi lançada em 2014 com uma parceria entre o Copa Studio e Cartoon Network Brasil. Irmão do Jorel é uma comédia absurda sobre o caçula de uma família média brasileira que tem uma imaginação muito vívida. Seu irmão mais velho popular, Jorel, o ofusca em tudo, tanto que seu próprio nome nunca é revelado. Ainda assim, ele não se abala e continua seus dias como um garoto estranho médio. É uma premissa simples, mas que a personalidade única do programa consegue extrapolar.
Animações de comédia sobre cotidiano de jovens existem aos montes: Hey Arnold, Loud House, Turma do Bairro, Azumanga Daioh, Kim Possible, O Mundo de Greg, entre tantos outros fazem parte do imaginário de crianças de diversas gerações. É algo que não é novo e, para tornar o conceito interessante, é necessário algo que se diferencie. Irmão do Jorel é muito felizardo nisso no sentido de que é uma escolha criativa não muito trilhada no cânone das animações no Brasil, abrindo caminho para o estabelecimento de uma identidade verdadeiramente tupiniquim em meio a tantos produtos similares.
Juliano teve uma preocupação grande em estabelecer esse vínculo com seu público-alvo, guardando seu protagonista como um personagem que qualquer um poderia se identificar com as situações. Na concepção do universo da série, Irmão do Jorel era um mero blog de quadrinhos, e a experiência de trazer histórias da família dele e da dos seus amigos que construiu essa estrutura. Nas suas palavras na entrevista ao portal online da Super Interessante:
“A ideia pro Irmão do Jorel veio mesmo quando eu comecei a publicar fotos da minha família no Fotolog, o saudoso Flogão. Aí, a galera de lá começou a compartilhar histórias familiares comigo, e eu percebi que todo mundo tinha essas fotos constrangedoras: a mãe com um cabelo bizarro, a prima com jaqueta de ombreiras, aquelas festas toscas de aniversário.”
Quando se discute o conceito de nação, geralmente é atrelada a essa palavra a ideia de um sentimento de pertença, identidade comum a um território, mais do que meros laços sanguíneos ou ter nascido dentro do espaço geográfico. Irmão do Jorel, ao longo das suas três temporadas, consegue transmitir um senso de afinidade entre o seu público-alvo brasileiro e suas situações únicas, próprias de quem mora num país tropical abençoado por Deus e bonito por natureza (oh, beleza).
Tudo é brasileiro neste desenho: as interpretações, a estética (ainda que inspirada em Trapalhadas do Flapjack), as situações, os personagens. Cada elemento comunica com os espectadores de uma vivência de mundo particular e íntima que não se repetiu em mais nenhum lugar. Com seu humor rápido próprio de um roteiro muito bem escrito e animação sagaz, a equipe do Copa Studio conseguiu encapsular genuinamente a nossa identidade nacional e transmitir em episódios de onze minutos.
Para um país cujas primeiras produções estão perdidas, o Brasil pode ser considerado afortunado com uma obra tão excelente como Irmão do Jorel.
Você pode assistir às duas primeiras temporadas de Irmão do Jorel no serviço de streaming da Netflix e à terceira nos canais do Cartoon Network e TV Cultura.