Bem-vindos leitores e leitoras, aqui é a Lanterna de Tinta trazendo a primeira coluna literária do ano. E por falar nisso, novo ano começando, e cada um, a sua maneira, traçando os novos objetivos. Mesmo que talvez eles não sejam tão novos assim. Mas o início de um ano, não representa necessariamente o começar coisas novas. Às vezes é o início de um recomeçar, reanimar. Portanto, nesta linha de pensamento, seguimos com a coluna de hoje. Fiz ela, por exemplo, pensando em pessoas que recentemente começaram a gostar de ler. Decidi apresentar alguns tipos de leitores e suas histórias e opiniões. Mas fiz também pensando em você que está com um bloqueio de leitor. Em você que, como resultado, está sem conseguir seguir adiante com sua lista de livros.
Acho digno de nota informar que, para enfatizar a diversidade de leitores que existem, todas as pessoas entrevistadas fazem parte do mesmo clube de leitura que conta atualmente com seis membros. Eles reúnem-se semanalmente para terem esse momento incrível que é compartilhar ideias sobre uma mesma obra. O clube é de Minas Gerais e foi fundado pelo idealizador Raphael Chaves Ferreira. Confira alguns de seus perfis e tudo o que eles têm a dizer.
Um pouco sobre o Clube de Leitura
Para entender um pouco a dinâmica e história do grupo o casal de noivos, Ju e Raphael, falaram sobre como o grupo aconteceu:
Estávamos em 2014, e o Raphael, estava lendo Crime e Castigo do Dostoievski e queria muito discutir a obra comigo, mas como eu tinha interesse em ler. Ela me proibiu de falar do livro, porque ela também queria ler um dia. Disse: beleza! Vamos criar um Clube de Leitura, para lermos conjuntamente esses livros. Eu identificava que tinha um déficit de leitura de clássicos e queria compensar isso. Por isso, propus que lêssemos apenas autores clássicos no Clube. A Ju topou.
Comentamos com alguns amigos e demos início. Abrimos o convite no grupo de juventude espírita de que participávamos e, a princípio, bastante gente se animou. O grupo começou relativamente grande. A ideia era eleger um clássico por vez, organizar um cronograma de leitura com encontros semanais em uma padaria da cidade, onde comeríamos juntos e falaríamos dos capítulos programados.
Quando chegamos ao terceiro livro – Os Miseráveis (Victor Hugo) – fomos apenas três pessoas (Ju, Bruno e eu – todos os três ainda estamos no Clube). Na primeira reunião de um livro além dos capítulos também contextualizamos sobre o autor e sua obra e na última fazemos um balanço sobre nossa experiência com o livro. O clube ficou semidesativado, pois o Rapha mudou de cidade. Mesmo com ele morando fora, fizemos reuniões nas férias de janeiro. Voltei para a minha cidade natal no meio do ano passado e acabamos reativando o Clube e conseguimos formar um grupo mais coeso: seis pessoas.
Sobre Amigos e Livros
Sou entusiasta dessas experiências de leituras compartilhadas. A leitura é um processo de construção de sentidos atravessado por intertextualidades e subjetividade. Em certo sentido, as pessoas nunca leem o mesmo livro, ainda que estejam lendo o mesmo livro. Acabamos por enriquecer a experiência de leitura uns dos outros, agregando sentidos, interpretações, dúvidas, perguntas, inquietações que a princípio não imaginávamos – e, o que também é importante, tomamos conhecimento com a dimensão afetiva da leitura para cada um dos participantes, aquilo que o livro provoca na pessoa e aquilo que ele passa a representar para ela. Recomendo sempre: reúnam pessoas e façam isso: compartilhem histórias!
O clube pra mim é uma experiência maravilhosa. Além de possibilitar o compartilhamento da leitura, ele me permite a leitura de livros que a princípio causam medo, por serem clássicos, alguns serem (muito) grandes, não serem o tipo de livro que procuraria logo de cara. Enfim, abriu muito meu leque e expandiu meu conhecimento de mundo e de culturas.
Livros Que o Clube já Leu ao Longo dos Anos
2014: Orgulho e Preconceito – Jane Austen, Crime e Castigo – Dostoievski, Os Miseráveis – Victor Hugo e As Aventuras de Róbson Crusoé – Daniel Defoe, finalizado em 2015.
2017: Travessuras da Menina Má – Mário Vargas Llosa.
2018: Memórias Póstumas de Brás Cubas – Machado de Assis.
2019: 1984 – Geroge Orwell, Grandes Esperanças – Charles Dickens, Guerra e Paz – Leon Tostói, Grande Sertão: Veredas – João Guimarães Rosa, Um Conto de Natal – Charles Dickens, para finalizar o ano.
Perfis de Alguns dos Membros:
Leitor Bruno Arley Barros Dores (28 anos)
Ocupação: Estudante de Engenharia Florestal.
O primeiro livro que leu: Um dos primeiros livros que eu li foi O pequeno Príncipe (Antoine de Saint-Exupéry), foi quando entrei no 5º ano.
O livro que trouxe a literatura de vez para a sua vida: Bom, no ensino fundamental II, dos livros que eu li e que eram “sensações do momento” foram: O Mistério da Casa Verde e o Alienista. Também tinham as recomendações dos professores da série vagalume, como: A Ilha Perdida, Um Rosto no Computador, O Escaravelho do Diabo.
Personalidade
Mania de leitor: Nossa adoro marcador de página tanto os confeccionados e improvisados em casa como o que eles dão nas livrarias.
Livros favoritos: O dia do Curinga, O pequeno Príncipe, O Menino do Dedo Verde, Violetas na Janela, Mundo de Sofia, Orgulho e Preconceito, Crime e Castigo, O Diário de Anne Frank.
Gêneros que gosta: Eu particularmente não tenho um gênero favorito. Porém gosto muito de Romances, Espíritas, Autoajuda, Clássicos da literatura Brasileira e Europeia.
Gêneros que não gosta: Não gosto de Animes e historias de terror.
Escritores prediletos: Jane Austen, Jostein Gaardner, Vitor Hugo, Charles Dickens, Antoine de Saint-Exupéry e Machado de Assis.
Uma frase literária marcante: “Os mortos recebem mais flores do que os vivos porque o remorso é mais forte que a gratidão.” (O Diário de Anne Frank).
Leitor Cristian Ramos (24 anos)
Ocupação: Servidor Público Federal (Assistente em Administração da Universidade Federal de Lavras, em Minas Gerais). É Bacharel em Direito também pela UFLA, com aprovação no Exame de Ordem da Ordem dos Advogados do Brasil, e é Pós-Graduado em Direito Administrativo pela Faculdade Venda Nova do Imigrante – FAVENI.
O primeiro livro que leu: Amor inteiro para meio-irmão (Cristina Agostinho).
O livro que trouxe a literatura de vez para a sua vida: Iracema (José de Alencar), justamente por trabalhar com maestria os elementos fundamentais da cultura brasileira, em um enredo romancista, algo que principiou a minha sensibilidade e gosto pela leitura.
Personalidade
Livros favoritos: Triste Fim de Policarpo Quaresma (Lima Barreto), O Cortiço (Aluísio Azevedo), Capitães da Areia (Jorge Amado).
Gêneros que gosta: Romance e Literatura de Cordel.
Escritores prediletos: Lima Barreto e José de Alencar.
Uma frase literária marcante: “E esse seguimento adiantaria alguma coisa? E essa continuidade traria enfim para a terra alguma felicidade? Há quantos anos vidas mais valiosas que a dele, se vinham oferecendo, sacrificando e as coisas ficaram na mesma, a terra na mesma miséria, na mesma opressão, na mesma tristeza.” (Triste Fim de Policarpo Quaresma).
Leitora Ju (25 anos)
Ocupação: Nutricionista home care (que faz atendimento à domicílio)
O primeiro livro que leu: Tem dois, mas não lembro os nomes. Um era a história de uma menina que descobre que vai se tornar irmã mais velha, mas não aceita, e começa a fingir que é bebê pra mostrar pros pais que ela é a criança da casa. E o outro, conta a história de uma comunidade de serzinhos que vivem em harmonia, pois todos fazem o seu trabalho na comunidade. Mas um dia um deles, que era preguiçoso, começa a mandar, e a vida na comunidade desanda.
O livro que trouxe a literatura de vez para a vida: Harry Potter e a Pedra Filosofal (J. K. Rowling). Precisei de algumas tentativas pra leitura engrenar, mas depois que engrenou, não parou mais.
Personalidade
Mania de leitor: Tenho mania de organização com meus livros. Mantenho uma planilha com o nome de todos, organizado por ordem alfabética com o nome do autor, e se o autor tem mais de um livro, fica em ordem de publicação. Nessa planilha anoto se o livro foi lido (nunca consegui ler todos os livros que tenho, pois sempre compro mais e mais livros) e se o livro está emprestado e com quem.
Livros favoritos: Isso é muito difícil. Mas por muito tempo o livro que eu considerava o meu favorito é o Ella Enfeitiçada (Gail Carson Levine), também gosto muito de Orgulho e Preconceito (Jane Austen), Os Miseráveis (Victor Hugo), gosto de séries como Harry Potter (J. K. Rowling), Percy Jackson e os Olimpianos e os Heróis do Olimpo (Rick Riordan), Jogos Vorazes (Suzanne Collins), A Seleção (Kiera Cass), Perdida (Carina Rissi), inclusive da Carina Rissi acho o No Mundo da Luna, Procura-se um Marido e a Mentira Perfeita ótimos de ler.
Gêneros que gosta: Sou bem eclética na leitura. Leio romances, mistério, fantasia, distopia, biografia, clássicos, contos.
Gêneros que não gosta: Autoajuda (apesar de ler alguns), poesia e livros de terror.
Escritores prediletos: Jane Austen e Carina Rissi.
Uma frase literária marcante: “…O nevoeiro londrino pode ser minha ideia de um dia esplendoroso. Existe ali um mistério que me interessa, como se fosse a falta de foco de uma foto ou na cena de um filme. Quando você vê demais, cessa a capacidade de se surpreender.” (Livro Tudo O Que É Sólido Pode Derreter, Rafael Gomes, p.125).
Leitor Raphael Chaves Ferreira (30 anos)
Ocupação: Servidor Público Federal de uma Universidade. Está cursando a segunda graduação, em Direito. A primeira formação de Raphael foi em História, área em que defendeu o seu mestrado pela Universidade Federal de São João del-Rei.
O primeiro livro que leu: Acho que o primeiro livro lido de que consigo me lembrar foi o Super Silva, do Ivan Jaf – uma história sobre um borracheiro do morro da Mangueira que, no trajeto para casa, acaba encontrando partes de fantasias de super heróis (capacete do Thor, uma malha do Super Homem, capa do Batman e botas – para ele apertadíssimas – do Homem Aranha) e, meio que guiado pelas contingências, acaba se tornando um Super Herói dos morros cariocas.
O livro que trouxe a literatura de vez para a vida: Sem dúvida nenhuma, foi O Senhor dos Anéis (J.R.R. Tolkien). A minha estante deve ter, hoje, algo em torno de uns 330 a 340 livros. O Senhor dos Anéis foi o primeiro de todos, adquirido em 2003 – quando já tinha saído o terceiro filme da trilogia do Peter Jackson.
Personalidade
Mania de leitor: Eu tenho mania de fazer marcações a lápis – às vezes apenas uma seta ou um “!”, para indicar algo que me pareça importante ou que tenha me surpreendido de alguma maneira. Também uso aqueles adesivos próprios para marcar página, para marcar passagens de que gostei especialmente.
Livros favoritos: “Os Miseráveis”, do Victor Hugo, é o livro mais importante da minha vida. Está muito acima de tudo o mais que li. Foi uma leitura que teve tremendo impacto sobre mim. Foi a terceira obra lida no nosso Clube de Leitura. Maravilhoso! Acho que dificilmente conseguirei ler algo que tenha, para mim, o significado que essa leitura teve. No prefácio do livro, Victor Hugo escreve:
“Enquanto, por efeito de leis e costumes, houver proscrição social, forçando a existência, em plena civilização, de verdadeiros infernos, e desvirtuando, por humana fatalidade, um destino por natureza divino; enquanto os três problemas do século – a degradação do homem pelo proletariado, a prostituição da mulher pela fome, e a atrofia da criança pela ignorância – não forem resolvidos; enquanto houver lugares onde seja possível a asfixia social; em outras palavras, e de um ponto de vista mais amplo ainda, enquanto sobre a terra houver ignorância e miséria, livros como este não serão inúteis.”
Acho que ele está coberto de razão.
Abaixo de Os Miseráveis – mas bem abaixo – eu citaria também o Cem Anos de Solidão (Gabriel García Márquez). A partir daí, ando com dificuldade de ordenar as melhores leituras. Cito algumas: Grandes Esperanças e Um Conto de Natal (Charles Dickens), Crime e Castigo (Dostoiévski), Os Três Mosqueteiros (Alexandre Dumas), Um Estudo em Vermelho (Conan Doyle).
Citaria ainda, talvez um pouco fora desse escopo da literatura, Cartas Persas (Montesquieu), O 18 de Brumário de Luís Bonaparte (Marx) e o Povo Brasileiro (Darcy Ribeiro).
Gêneros que gosta/ Gêneros que não gosta: Eu acho que não sou muito fiel a gêneros. Nesse quesito, acho que leio um pouco de tudo. Apenas tenho me tornado um pouco canonista, ultimamente, priorizando os clássicos. Mas esses mesmos clássicos atravessam os mais diversos gêneros.
Escritores prediletos: Victor Hugo, Conan Doyle, Tolkien, Monteiro Lobato. Essa pergunta é um pouco difícil, pelo seguinte: minha tentação é indicar Gabriel García Márquez, mas não sei se teria o “direito” de indicá-lo como escritor predileto, tendo lido apenas dois livros dele até o momento. Isso acontece com relação a muitos outros que me ocorreram. Ah, não posso deixar de citar uma escritora que estou descobrindo agora: nossa Lygia Fagundes Telles. Li 5 livros dela esse ano. Tem mais 6 na minha estante à espera. Quero percorrer toda a obra dela.
Uma frase literária marcante: “Ousar é o preço do progresso. Todas as conquistas sublimes são mais ou menos prêmios de coragem. Para que haja a revolução, não basta que Montesquieu a pressinta, que Diderot a pregue, que Beaumarchais a anuncie, que Rousseau a premedite; é preciso que Danton ouse!” – Victor Hugo, Os Miseráveis.
O Caminho de Padawan à Jedi
Todos eles descrevem suas infâncias lembrando-se de histórias que as marcaram. Passagens por escolas com grandes ou pequenos incentivos, ao ato de ler, ficaram gravadas em suas memórias. Todo leitor reconhece sua caminhada no mundo da literatura. Mesmo aquele leitor que tenha pegado o gosto apenas mais tarde, em idade já avançada comparado aos outros, lembra-se dos contatos com a leitura desde tenra idade. Muitos começaram a jornada com histórias em quadrinhos e contos juvenis. Há os que começam cedo e tiveram, se não o exemplo, ao menos, o apoio da família. O que leva a criança a uma gratificação por ter o respeito e a vista de que faz algo importante.
Ju expressa sua vontade, a mesma que tem muitos leitores, de conhecer os lugares que visitou pelas histórias. De estar fisicamente onde já se esteve antes, com palavras que construíram lugares em sua mente. No dia 15 de novembro o Clube foi a Cordisburgo, cidade de João Guimarães Rosa, autor de Grande Sertão: Veredas; o livro que estavam lendo na época.
O Lado Luminoso da Força
Os membros do grupo dividiram comigo opiniões semelhantes a respeito do valor que os livros têm em suas vidas. Ju comenta que “livros pra mim são fundamentais. Eles me permitem conhecer mundos, viver diferentes histórias, diferentes culturas”. Bruno disse uma frase que exprime o sentimento de muitos leitores com os quais já tive contato: “os livros sem sombra de duvida são os maiores tesouros que tenho na minha vida”.
Livros são formadores de caráter. Eles também trazem descanso e, ao mesmo tempo, reflexões. Mas eles concordam que tudo isso depende de algo muito importante: o pensar. Não ler por ler, mas a analise da leitura é o que acresce no intelectual e no emocional. Raphael cita Ruy Barbosa para explicar a ideia do “ir além”:
“(…) senhores, os que madrugam no ler, convém madrugarem também no pensar. Vulgar é o ler, raro o refletir. O saber não está na ciência alheia, que se absorve, mas principalmente, nas ideias próprias, que se geram dos conhecimentos absorvidos, mediante a transmutação, porque passam, no espírito que os assimila. Um sabedor não é armário de sabedoria armazenada, mas transformador reflexivo de aquisições digeridas.”
Cristian aponta que “a literatura pode ser um instrumento em certa medida ‘terapêutico’, especialmente em uma sociedade cada vez mais marcada pelo ritmo frenético das informações e dos acontecimentos, que por vezes assolam a mente humana. Percebo que o contato com inspiradoras reflexões de autores da literatura são, metaforicamente, oxigênio que alimenta o intelecto e proporciona prazer”.
Antes de Encerrar: Feliz 2020!
Enfim, vamos encerando a coluna de hoje, uma mais longa que o normal. Mas espero que, para aqueles que tiveram a paciência para ler ela por inteira, tenham se inspirado e ganhado um novo fôlego para continuar com esse hábito maravilhoso que é a leitura.
AQUI você pode conferir a coluna: 10 Motivos Para Fazer Parte de Um Clube do Livro. Já AQUI mostramos Passo a Passo Para Ajudar Você a Fundar Um Clube do Livro. E AQUI você poderá ler nossa última coluna de 2019; nela apresentamos As Bibliotecas Mais Surreais do Mundo – parte II (encontre AQUI a primeira parte dessa série de colunas). Além disso, este ano, no Instagram, vamos falar muito sobre Harry Potter em uma missão intitulada de M.A.B. (Missão Armada dos Bruxos); se gosta dos filmes e/ou dos livros acompanhe seguindo o @lanterna_de_tinta. É isso galera. Boa semana, boa leitura e até a próxima.