Trabalhando com um tema bem delicado, o Alzheimer, Paco Roca consegue passar uma mensagem bastante sentimental em sua história em quadrinhos chamada Rugas. A história consegue trazer um desfecho inevitável, mas afetuoso.
Rugas conta a história de Emílio que foi internado em um asilo para idosos porque ele sofre de Alzheimer. O senhor encara a vida comunitária como uma prova difícil de se vencer, mas acaba aceitando rapidamente o seu novo ambiente, decidindo lutar para escapar do possível destino que sua doença o levará.
A trama de Rugas traz a simplicidade necessária para um assunto complexo, sendo trabalhado na visão de uma pessoa idosa, vivendo seus “últimos anos de vida”, com Alzheimer, uma enfermidade incurável, que se agrava ao longo do tempo. Para isso, o autor busca evitar situações melodramáticas, mas sem abandonar uma abordagem sentimental.
Análise do enredo de “Rugas”
Já na sinopse da contracapa da edição que será relançada pela Devir aqui no Brasil, é mostrada uma mensagem de Paco Roca. Para o autor, “a comunidade do ser humano lembra uma biblioteca, na qual os livros se empilham em montanhas de papel amarelado, povoadas de sonhos e fantasias.” Isso remete ao desgaste de toda uma vida de um ser humano, que acaba sendo coberto por rugas. Algumas letras, ou seja, memórias, podem se apagar, “mas as emoções mais intensas sobrevivem, preservadas como um tesouro escondido numa ilha distante.”
Emílio é deixado no asilo pelo seu filho e nora, após começar a ser difícil cuidar dele em casa. Junto com Emílio, somos apresentados ao asilo por Miguel, um senhor que morou na Argentina e voltou para a Espanha décadas atrás. O asilo parece um local limpo e organizado. Mas isso se disfarça atrás da verdadeira realidade, a solidão. Emílio está isolado, com pessoas desconhecidas, sendo deixado pelo seu filho após não ter mais outra opção.
Mesmo no começo sendo difícil, Emílio parece começar a se adaptar ao asilo e às pessoas. No entanto, a mensagem que fica é qual o tipo de sensação que aquelas pessoas transmitem ao estarem “no fim da vida”. O corpo não reage mais com a mesma velocidade, e o raciocínio pode falhar. Como comenta Franz Lima (2020) em sua análise sobre a história no site No Set, “o tempo castiga as pessoas e tem o dom de apagar os feitos delas, mas algumas – por intermédio da memória – mantêm esse passado relativamente intacto.”
A importância das memórias
As memórias acabam sendo uma das partes mais importantes do indivíduo. Assim, Emílio tenta lutar para não esquecer suas memórias do passado. Temos cenas então do senhor se esforçando para não esquecer, muitas vezes sendo ajudado por Miguel, um personagem malandro, que acaba explorando os outros idosos do asilo, mas que acaba fazendo o papel de uma família para Emílio, tentando trazer dicas de como Emílio poderia atrasar o processo do Alzheimer. Assim, temos cenas de Miguel ajudando Emílio a se vestir, colocando etiquetas nas roupas dele para que Emílio não se esqueça do nome dos objetos, e até ambos raspando a barba às 3 da manhã como se fosse a coisa mais normal do mundo.
No entanto, ao ir lendo a história, sabemos do desfecho inevitável que a trama terá. Lutar contra uma doença que acaba fazendo você perder suas memórias é de certa forma triste. Uma das cenas mais delicadas é quando Emílio, Miguel e Antônia, amiga deles, estão jantando juntos, e eles descobrem que o casal Dolores e Modesto, tiveram que se mudar de ala do asilo após uma piora de Modesto por conta também do Alzheimer. Dolores não conseguiu deixar o marido sozinho e acabou se mudando também. Miguel questiona a situação, falando da decisão de Dolores. Antônia só comenta que Miguel nunca entenderia já que ele nunca amou ninguém.
Analisando, a relação de Dolores e Modesto, que é demonstrada na história, é outra situação muito cruel do Alzheimer. Cuidar de seu marido, mas até certo ponto ele poderá esquecer das memórias que ele tem com você, e até da pessoa em si. E isso é demonstrado também em uma das cenas finais da história, com Miguel e Emílio, de uma forma delicada, fazendo Emílio esquecer o rosto de seu grande amigo.
Em suma, mesmo sendo uma história bem delicada, que mostra o ambiente de um asilo, e os contratempos de um protagonista com o Alzheimer, ainda temos cenas de felicidade, de aprofundamento de laços entre aqueles senhores que estão no asilo pois, como pontua Lima (2020), “ainda que a família nos esqueça, haverá alguém que se lembrará de nós.”
Rugas será relançado pela Editora Devir em março deste ano (2021). Um filme da história foi lançado em 2012 na Espanha, em animação, intitulado Wrinkles. Rugas apresenta seus momentos de humor, muito bem feitos, mas também, tratando verdadeiramente os sentimentos de um idoso em um asilo com Alzheimer. Portanto, Rugas é uma história dedicada a todos os idosos de hoje, e também os de amanhã.