Essa semana resolvi trazer um filme que assisti esses dias e que me deixando pensando nele por muito tempo. Entre Realidades (Horse Girl, no original), é um filme que estreou no festival de Sundance em 27 de janeiro desse ano e entrou para o catálogo da Netflix no dia 7 de fevereiro.
Dirigido e produzido por Jeff Baena e escrito por ele e a atriz principal Alison Brie, Entre Realidades é um filme de drama psicológico que entra a fundo na mente da personagem principal, Sarah. O filme ainda é estrelado por Debby Ryan, John Reynolds, Molly Shannon, John Ortiz e Paul Reiser.
Na história, Sarah é uma mulher tímida e introvertida que trabalha em uma loja de artesanatos. No seu tempo livre, ela ainda visita um estábulo, faz aula de zumba e assiste a um seriado o qual ela é viciada, chamado Purgatório. Logo de cara, percebemos o quão solitária a personagem é e como as outras pessoas não se interessam por ela. Por mais simpática que ela seja, os outros não fazem um esforço de conhecê-la melhor, passando-nos um sentimento de vazio.
Sarah mora com uma colega de quarto que, no dia do aniversário de Sarah, ao vê-la sozinha em casa, resolve fazer uma festa para ela. Então, além do namorado dela, ela convida o amigo solteiro de seu namorado e ele e Sarah conversam e tem uma conexão muito boa. Todos fazem festa, usam maconha e bebem, o que faz com que Sarah se solte mais, mesmo que ela passe um pouco mal e seu nariz sangre.
Durante a noite, Sarah tem sonhos estranhos, com duas pessoas desconhecidas, em um lugar todo branco em que ela está acordada e os outros não. Em uma cena anterior, vemos que Sarah também é sonâmbula. A partir daí, e depois dos sonhos estranhos, percebemos que Sarah não está bem. Ela começa a não se lembrar das coisas e ter períodos de tempo perdido, além de acordar em lugares que ela não sabe como chegou neles.
É importante notar que, em Entre Realidades, temos um narrador não confiável, então é difícil saber se o que está acontecendo é da mente de Sarah ou se é real, o que nos leva a conclusão de que ela pode estar desenvolvendo uma esquizofrenia, tendo em vista que sua família tem histórico de doença mental, como sua avó que foi internada (dizendo que vinha do futuro) e sua mãe, que cometeu suicídio.
Coisas estranhas acontecem também ao redor de Sarah. Ela ouve vozes em seu apartamento, mesmo quando sua colega de apartamento não está lá. Arranhões estranhos aparecem na parede do apartamento, algo que não poderia ser feito por dedos humanos. Sarah também continua a acordar em lugares dos quais ela não lembra como chegou neles, além de ter tempo perdido. Ela vai dormir e quando acorda, passaram-se apenas minutos e não horas.
Sarah começa a pensar que talvez ela seja um clone, um experimento de alienígenas que a estão abduzindo. Ela tem esse pensamento por causa do tempo perdido, que é algo que acontece quando pessoas são abduzidas e devolvidas sem que o tempo passe e também porque Sarah é muito parecida (igual!) a sua avó. Ninguém a leva a sério e ela acaba por ser internada quando seus sintomas ficam descontrolados e ela já não sabe no que acreditar.
Entre Realidades é um filme que pode não agradar a muitos, já que ele não entrega as informações mastigadas, com tudo explicado e fazendo total sentido. Mas se você é alguém que gosta de um drama psicológico que te faz duvidar do que você vê e ainda com uma pitada de ficção científica, acredito que você vai gostar.
O roteiro criado por Alison Brie e Baena é muito inteligente, dando-nos informações sem explicar tudo, fazendo-nos pensar. Alison Brie falou em uma entrevista que a história foi inspirada no histórico de saúde mental de sua família e isso é passado muito bem pela personagem de Sarah.
Alison Brie consegue entregar uma atuação visceral, explorando o lado simpático de Sarah, fazendo com que a gente sinta pena e queira ser amigo dela, mas também explora maravilhosamente o lado dramático da história. Ela vai do engraçado ao dramático em questão de minutos, mostrando o quão versátil a atriz pode ser. O filme equilibra muito bem esses momentos cômicos com um drama pesado, no qual mergulhamos a fundo no consciente de Sarah, fazendo-nos viver momentos até desesperadores.
É interessante a mistura do drama psicológico com elementos sci-fi. Temos de um lado a possível esquizofrenia de Sarah e do outro uma possível abdução: Sarah acorda em lugares nos quais ela não lembrar como chegou; ela experiencia tempo perdido, que é algo que pessoas abduzidas sentem, além dos roxos em seu corpo, que podem ser marcas de experimentos. Em um momento ela vê os seres, e eles possuem dedos compridos e estão movendo ela de forma bem violenta, o que poderia explicar os roxos e as marcas na parede e até no forro do seu carro.
Além disso tudo, tem o fato de que a avó de Sarah dizia ser do futuro. Tendo em vista esse fato, é importante notar o quanto Sarah parece com sua avó. Ela até possui um vestido e ao final do filme, quando Sarah coloca o vestido e arruma o cabelo, ela fica idêntica a sua avó, o que nos faz pensar que talvez ela não seja um clone de sua avó, mas que ela é sua avó. O que explicaria elas serem idênticas e Sarah ouvir no telefone o que sua colega de trabalho vai falar. Sarah até diz que está ouvindo o futuro. Isso talvez até explicaria o suicídio da mãe de Sarah, que não aguentou viver com sua mãe que dizia coisas as quais ela não estava preparada para ouvir.
Claro que isso tudo pode ter sido colocado no filme para pensarmos que Sarah não está doente e sim que se trata de uma abdução. Mas o outro lado pode também estar certo, e que a doença de Sarah foi colocada no filme para não acreditarmos na história da abdução. O filme deixa esses dois lados como podendo ser possíveis. Ou até mesmo, por que não pensar que as duas coisas possam ser verdade? Sarah está com esquizofrenia e também é abduzida, podendo ser sua avó.
O final do filme é bem emblemático. Temos Sarah se vestindo e arrumando o cabelo, copiando da foto que ela tem de sua avó, indo até o estábulo e buscando o cavalo que ela costumava montar, passando pela cidade e inda até um mato afastado da cidade, deixando no chão. Depois vemos uma luz aparecer e levar Sarah, fazendo-a levitar.
Será que ela sucumbiu a loucura ou foi mesmo abduzida? É interessante de notar que a avó de Sarah dizia ter do futuro: há a possibilidade de ela ser Sarah, por isso dizia isso. A avó de Sarah usava a mesma roupa que Sarah aparece usando no final do filme, querendo talvez nos dizer que o ciclo se completou e vai continuar acontecendo. Algo que leva para esse lado também, é que Sarah também fala de ciclos que se repetem, a água quando desce ao ralo que Sarah fica olhando hipnotizada (que também é um trauma, pois sua mãe morreu no banho e a água continuou ligada e caindo) e, por fim, a cena do início do filme na qual sua colega de trabalho vê um cavalo passando na frente da loja (ela não vê Sarah). Essa cena é a mesma do final do filme. Ou seja, Sarah estava falando com sua colega de trabalho enquanto Sarah também passa na frente da loja, levando o cavalo. Isso nos diz que os acontecimentos são cíclicos.
Sarah pode estar sucumbindo a sua doença, mas, ao mesmo tempo, as coisas estão completando seu ciclo. Sarah viveu, foi abduzida e mandada ao passado, lá ela é sua avó, que diz que vinha do futuro. As abduções a jogaram nesse looping, em que ela pode ser ela mesma e ao, mesmo tempo, sua avó. Vemos isso em séries como Dark (Netflix), em que o tempo é algo complexo e cheio de possibilidades.
Entre Realidades é um filme que parece ser somente um drama, mas que é cheio de desdobramentos, fazendo com que pensemos em diversas possibilidades, mostrando o quanto o psicológico humano é complexo. Vemos que nem tudo pode ser explicado racionalmente, o que faz Entre Realidades ser mais complexo do que aparenta.