Atenção: este texto contém spoilers
BoJack Horseman, tanto a série como seu personagem titular, sempre gostou de mergulhar em situações de ambiguidade moral, questionar até onde é possível alguém ser salvo de sua própria ruína. Empurrando seu elenco ladeira abaixo, fazendo-os cair em novas sagas de desgraça, o programa testa os limites do vazio humano que nos compele a realizar atrocidades nos momentos de fraqueza. No entanto, caro leitor, isso é algo que você já sabe. Após quatro temporadas de misérias, o que mais o show do Cavalo Triste pode oferecer? Eu digo a você, então: o fundo do poço.
Após lidar com inúmeras adversidades, e cada vez um pouco pior por isso, BoJack começa a misturar ficção e realidade na produção de Philbert, um seriado policial cujo personagem principal é viciado em remédios e tem uma vida muito conturbada. De maneira metaliguística, vemos os efeitos de como a culpa das suas ações aleijam seu desenvolvimento emocional. Ansioso e confuso, BoJack tenta fazer o certo, mas é difícil quando os limites se tornam turvos.
Após seu envolvimento com Hollyhock, revelada sua meia-irmã ao final da temporada anterior, BoJack aparenta buscar maneiras de “se consertar”, ser um indivíduo melhor. Ele tenta, eu juro, mas é muito infeliz. Sempre à beira do abismo existencial, ele se agarra futilmente às beiradas para não cair – focando-se no seu trabalho e em suas relações, até o momento que tropeça e a queda livre começa. Não vou revelar particularmente o que acontece, porém é o momento que BoJack aceita a ajuda que precisa para mudar, e desta vez de verdade.
No capítulo mais doloroso da temporada (“Churro grátis”), BoJack realiza um monólogo no enterro da sua mãe, extremamente abusiva em vida. Carregado de emoções conflitantes, ele faz perguntas sobre a natureza falha dos seus pais na morte de Beatrice Sugarman. As respostas nunca vêm, mas conseguimos contemplar o quanto esse tipo de criação afeta o desenvolvimento psicossocial. Ao longo da meia hora do episódio, vemos o ressentimento, a culpa, a dor, e o afeto torpe construído naquele lar quebrado. Em uma breve frase em seu grande solilóquio, BoJack consegue sumarizar com perfeição o tipo de relação que ele teve com seus pais: “Nós três estávamos nos afogando, e não sabíamos como salvar uns aos outros, mas havia um entendimento que nós estávamos afogando juntos.”
Lenta e gradualmente, após acompanhar este cavalo por cinco anos, observamos ele se aproximar do abismo, meramente abraçando suas piores partes sem auto-crítica até o instante que tudo se desfaz e ele percebe que, sozinho, as coisas só pioram. Ao final da temporada, finalmente ele se encaminha à clínica de reabilitação para reavaliar seu comportamento tóxico e seus vícios.
Neste momento, recorro a um aforismo do filósofo alemão niilista Nietzsche, esse mencionado no título do texto: “é preciso ter asas quando se ama o abismo”. Por toda a sua vida, BoJack andou de mãos dadas com a tragédia, utilizando-a como uma justificativa para não mudar, para se manter nessa desconfortável zona de conforto. Para escapar desse antro tóxico, foi necessário um esforço descomunal, e, como se crescessem asas, ele foge desse terror, ascendendo para a sua recuperação.
Sombria e cruel, a quinta temporada lida muito bem com a temática da responsabilidade dos atos (ou pelo menos a busca por essa responsabilidade), aventurando-se nos cantos mais sombrios da alma do protagonista no seu momento de ruptura. Alçando seu voo, BoJack finalmente começa sua rota da redenção.
Você pode assistir a BoJack Horseman no serviço de streaming da Netflix.