Eu acho que posso falar com segurança que o termo “família” é difícil de descrever objetivamente. Eu tentei outrora, mas não é justo enquadrar essa palavra de maneira tão crua. Todos nós viemos de algum lugar, construímos nossos espaços, e estabelecemos vínculos com um grupo seleto de pessoas – independente de compartilharmos sangue com elas. Família pode ser seus pais, tios, primos, e você. Pode ser você e seu parceiro. Pode ser você e seus bichinhos. Só você mesmo pode definir esses limites.
Dito isso, toda família ainda assim se parece. Apesar das extremas diferenças entre lares, papéis se repetem, e uma idealização universal desses personagens perpassa culturas. É por essa razão que, apesar das distinções geográficas, podemos nos identificar com núcleos parentais da ficção. Irmão do Jorel? Coco? Gravity Falls? Todas são obras as quais nos cativam com suas narrativas familiares e situações altamente relacionáveis. Penso eu, inclusive, que esse é o charme de Meus Vizinhos, Os Yamadas.
No original Hōhokekyo Tonari no Yamada-kun, o filme de 1999 explora o cotidiano da família títular, os Yamadas. Afetuosos, caóticos, e conflituosos os parentes têm suas crônicas exploradas ao longo dos seus 103 minutos de duração. Com o excelente Isao Takahata na direção, a obra é adaptação das tirinhas homônimas do quadrinista Hisaichi Ishii, publicadas ainda hoje (porém sob o título “Nono-chan”).
Meus Vizinhos, Os Yamadas destaca-se dos outros longa-metragens do Estúdio Ghibli por seu formato antológico. Ao invés de optar por uma narrativa tradicional, Takahata aproveitou-se da estrutura breve das tirinhas para destrinchar situações cômicas, apenas unidas entre si através dos seus personagens. Em um momento seguimos a filha caçula Nonoko na escola, em outro podemos ver os adultos Matsuko (mãe), Takashi (pai), e Shige (avó) discutindo qualquer coisa besta, para então vivenciarmos os esforços do primogênito Noboru nos deveres de casa. São momentos simples, contudo atravessados de personalidade vibrante.
Entretanto, mais do que meramente aproveitar a composição das histórias dos quadrinhos, essa obra optou por fazer uso dos traços despretensiosos próprios do material de origem – algo que a evidencia ainda mais marcadamente das outras produções Ghibli. Ademais, essa escolha estilística acentua as intenções cômicas ao acompanhar as peculiaridades dos Yamadas. Com seus cenários pouco detalhados e elenco estilizado, podemos também nos encaixar mais fácil nas narrativas, ver as nossas próprias idiossincrasias refletidas nas excentricidades dos personagens.
Ainda assim, Meus Vizinhos, Os Yamadas oferece mais do que humor à sua audiência. Seu encanto repousa, acima de tudo, no amor sincero e devoção entre os familiares. Sim, eles são imperfeitos e não param jamais de brigar, todavia – à sua maneira torta e individual – eles se encaixam. Essa dimensão é especialmente evidenciada pela declaração diretorial do Takahata:
“Eu não ambiciono criar uma ‘fantasia’ ao representar uma realidade extremamente detalhada que cerceia pessoas em outro mundo. Acima disso, eu quero que as pessoas se identifiquem nas experiências dessa vida ao rascunhar qualidades ordinárias humanas com simples adereços. Eu quero que o vento flua livremente entre a dimensão do nosso cotidiano e aquilo que vemos no filme.”
Meus Vizinhos, Os Yamadas é uma obra diferente do cânone “Ghiblíco” porém tão amável ao seu jeito. Uma família que, haja o que houver, permanecerá unida. Que sera sera.
Você pode assistir a Meus Vizinhos, Os Yamadas no serviço de streaming da Netflix.