Medida Provisória – Um futuro distópico brasileiro

Medida Provisória - Um futuro distópico

Em um futuro próximo distópico no Brasil, um governo autoritário ordena que todos os cidadãos afrodescendentes se mudem para a África. Isso cria caos, protestos e um movimento de resistência clandestino que inspira a nação.

Com direção de Lázaro Ramos e protagonizado por Taís Araújo, Alfred Enoch e Seu Jorge. Medida Provisória estreou nos cinemas do Brasil em 14 de abril de 2022. O filme é baseado na peça de teatro “Namíbia, não”, escrita por Aldri Anunciação e também dirigida pelo ator Lázaro Ramos.

TENTATIVA DE REPARAÇÃO

O filme começa com uma cena já marcante, de uma senhora indo ao banco para ser a primeira pessoa negra a receber um auxílio do governo como forma de reparação aos tempos de escravidão. Mas, ao tentar passar pela porta giratória, a senhora é barrada. Ela deixa seu celular, suas chaves, mas a porta continua trancando. É aí que vem a notícia: o auxílio foi cancelado.

Essa primeira cena já abre o filme nos mostrando micro agressões que pessoas negras sofrem todos os dias. E a escala de acontecimentos só vai aumentando ao longo de uma hora e meia de filme. Lázarro Ramos viaja por entre vários gêneros cinematográficos na sua direção. O filme começa de maneira leve, com tons de comédia, mostrando a vida dos nossos três protagonistas.

Quando surge a oferta do governo de pessoas negras viajarem para a África, os irmãos Antônio (Alfred Enoch) e André (Seu Jorge) até riem da situação. Mas logo a escala das coisas se tornam ainda maiores e as pessoas são forçadas a deixarem o país. Uma perseguição absurda começa. Capitu (Taís Araújo), que tem o mesmo nome da personagem da obra Dom Casmurro, fica na rua, fugindo da polícia, enquanto Antônio e André ficam presos em casa, já que a polícia não poderia invadir o domicílio.

Um futuro distópico
©Elo Company e H2O Films

O QUE CONSISTE A NEGRITUDE

O filme é repleto de cenas marcantes e discussões certeiras, principalmente em situações que colocam o personagem de Seu Jorge no centro. Ele é quem mais se destaca, junto da atuação de Taís Araújo. Alfred Enoch também está bem, mas senti que os outros dois personagens roubaram o show.

O ritmo do filme é ótimo, principalmente quando muda de uma hora para outra, indo da comédia ao drama, não se prolongando e chegando direto ao ponto. Lázarro Ramos não tem medo de colocar o dedo na ferida, e algumas das cenas remetem a situações que realmente ocorreram no Brasil. A cena que mais me chamou a atenção foi a da votação para passar o projeto que mandaria as pessoas negras para a África. Ela lembra muito o que aconteceu durante o impeachment da ex-presidenta Dilma Rousseff.

Apesar de falhar em explorar como a situação estava no resto do Brasil e mostrar a questão indígena, por exemplo, o filme levanta questões pertinentes. Como quando as pessoas vão ser identificadas como negros ou não. No filme, essas pessoas são categorizadas como pessoas de “melanina acentuada”. É dito que a identificação seria feita ao olhar para a pessoa. Mas seria tão fácil assim? Uma das situações é a de uma menina, que é negra, mas também albina e por isso tem a pele clara. Isso significa que ela não seria negra?

Enfim, foi uma ótima estreia de Lázarro Ramos como diretor. Apesar de pecar em algumas coisas, como furos do roteiro, o filme se mantém sólido e direto. É um filme, com certeza, marcante e que será lembrado por muitos anos, como um registro histórico, não só de situações passadas, como da situação atual na qual o país se encontra.