Nesse mundo que lentamente se colapsa diante dos nossos olhos, a impressão que permanece é de que os humanos odeiam a própria humanidade. Quero dizer, não é como nós simplesmente odiássemos algumas pessoas em específico, porém a comunidade maior que a nossa espécie pertence. Observo isso nas tramas de ficção científica, as quais levam a máxima de Hobbes (“o homem é lobo do próprio homem”) ao extremo: Rick e Morty; os infinitos Mobile Suit Gundam; e ficção pós-apocalíptica como Jogos Vorazes ou Divergente.
Nas suas narrativas especulativas é possível sentir um descontentamento com a humanidade e como destruímos o nosso mundo e a desesperança parece ser a lei nas produções dentro desse gênero. Parece quase mandatório a insatisfação exarcebada com a nossa existência, e por essa razão nunca me atraí tanto por esse segmento narrativo. Felizmente, Dr. Stone está aí para desestruturar essa ordem.
O mundo de Dr. Stone está situado alguns milênios à nossa frente, em um futuro o qual os seres humanos e outras espécies foram petrificados misteriosamente e, no momento que a história se passa, estão começando a sair das suas cascas. É nessa literal selva com pedras que o superdotado Senku Ishigami acorda, onde ele vai pôr todos seus conhecimentos à prova para reconstruir a humanidade do zero. No começo deste ano, abordamos o primeiro volume do mangá, porém agora o foco volta-se para a sua adaptação animada deste ano.
Se possível for reduzir essa obra a uma palavra só, escolho “engenhosa”. Ainda que as ambições do seu protagonista estejam nas alturas, suas ferramentas estão fundamentadas em conceitos reais. Como eu disse antes, Senku é superdotado, porém, mais do que qualquer outra coisa, ele é esforçado. Na base de suor e lágrimas, ele reconstrói o seu mundo de tecnologia e ciência, aproveitando-se das técnicas estudadas por ele mesmo antes da petrificação.
Essa determinação humana, portanto, é a força que move Dr. Stone. Em entrevista para o Crunchyroll, o roteirista Riichiro Inagaki comentou um pouco sobre essa temática: “Em primeiro lugar, eu tenho temas que quero mostrar em Dr. Stone. Nos mangás, é fácil mostrar superheróis, mas você não vê as pessoas comuns fazendo algo com persistência. Na vida real, é o que nós humanos fazemos e essa é a virtude dos humanos. É isso que eu queria escrever.”
A história se constrói gradualmente, introduzindo noções reais, e desenvolvendo personagens com carisma e motivações críveis. A animação é cheia de energia e acompanha o tom cômico muito bem, sem deixar de emocionar nos momentos mais sensíveis. O traço, ainda que uma simplificação da arte do seu quadrinista sul-coreano Boichi, funciona bem na adaptação. A trilha sonora também conta com canções excelentes, com letras que traduzem bem as questões da trama. Particularmente, sou muito fã de Yume no You na.
Dr. Stone me cativou como jamais esperei. Sua franqueza quanto às questões humanas, tanto nos aspectos negativos como os positivos, são pontos fortes diferenciais. Sim, podemos ser egoístas e tomarmos para nós mesmos todos os recursos, no entanto, somos capazes de muito mais se pensarmos no bem coletivo, na ciência e na experiência. O mundo de Senku está no passado, mas, através dele, o conhecimento humano vive e persiste pelo bem maior, a nossa existência.
A primeira temporada de Dr. Stone está completa e você pode assistir aos seus 24 episódios no serviço de streaming do Crunchyroll.